Ricardo Gondim
Houve tempo em que me encantei
com o otimismo. Me sinto constrangido de reconhecer que acreditei na sorte como
bumerangue: a gente arremessa os desejos adiante e, belo dia, eles voltam
premiados pela deusa Fortuna.
Incentivei auditórios a cantar em
ritmo frenético: "Vai dar tudo certo, em nome de Jesus". Prometi em
palestras e sermões grande reviravolta na história de todos ali presentes. Com
o passar do tempo percebi, apesar de toda a minha boa vontade – e de todo o
pensamento positivo das pessoas – as tais guinadas não aconteciam
frequentemente. Nem tudo dava certo.
Tive amigos que agonizaram, carcomidos
de câncer, prematuramente. Outros foram à bancarrota. Celebrei casamentos que
terminaram em divórcio. Continuei a repetir jargões ufanistas sem levar às
últimas consequências as minhas afirmações. Lamento a infantilidade de perceber
a existência como homogênea, previsível, nos trilhos. Fui simplista. Pior,
minha história de sucesso se deveu, também, por capitalizar sobre as ilusões.
Eu sabia, mas negava, o que Francisco Azevedo escreveu: "A vida é
caleidoscópio. De nada adianta girarmos o cilindro devagar. Tanto cuidado para
quê? Quando menos esperamos, cacos de vidro desabam uns nos outros e formam o
imprevisível desenho".
Agora noto que não estava só no
esforço de lucrar com frases de efeito sobre sucesso, prosperidade e segurança.
Políticos e conferencistas motivacionais se somam a líderes religiosos na
repetição de clichês sobre a vida feliz – na verdade, esses discursos
idealizados servem apenas para fortalecer a eles mesmos.
Nenhum ufanista é ingênuo. Os
interesses que escondem são perniciosos e as consequências, desastrosas.
Mulheres azedam na vida porque alguém lhes promete que Deus (ou Santo Antônio)
traz marido "no tempo certo". Empresários desesperam porque alguém
assegura que "o Senhor não permite que seus filhos fracassem nos
negócios". Pais e mães se arrasam, existencialmente, por jamais cogitarem
que Deus "permitiria" a morte de um dos filhos – "uma família
piedosa e obediente sempre pode contar com os livramentos do Senhor".
É triste notar multidões
acorrentadas às promessas que "um dia chegarão" – mas não chegam
nunca. Não há como evitar a revolta de ver pessoas creditando dificuldades e
agruras aos "paradoxos do divino ", ou aos "mistérios
insondáveis de Javé".
Quem lucra com o triunfalismo? As
revistas de fofoca, com seus conselhos de auto-ajuda, os televangelistas com
seus milagres abundantes e as religiões que promovem crença no Deus intervencionista – o mesmo que vez por outra
vem em socorro de problemas cotidianos; ganham também os políticos
personalistas – messiânicos – que se projetam como salvadores da pátria.
Mikahil Bakunin, o teórico
político russo, afirmou que um ser onipotente como grande resposta para nossos
dilemas existenciais gera parasitas:
Se ele faz parte da categoria dos
homens fortes e dos políticos inteligentes, será um espertalhão que se
aproveitará da imbecilidade e da crueldade das massas ignorantes, tanto para
seu interesse pessoal quanto para aquele de sua casta, de onde retira sua
existência e sua força.
O dia a dia acaba esvaziando o
discurso triunfalista. Por mais que charlatões – e canastrões – prometam cura, em um país com
um sistema de esgoto precário, crianças vão agonizar com diarreia nas
comunidades pobres. Embora se repita, nos ambientes religiosos, que os anjos
estão ao dispor dos crentes, se falta ambulância na periferia das grandes
cidades, gente vai morrer à mingua. Não adianta clamar aos céus para ganhar uma
blindagem extra, se professores da rede pública são subvalorizados e o Estado
corta verba para a educação. Sem escola de qualidade, o ciclo vicioso
ignorância-desemprego-miséria-violência se perpetua.
A vida de muitos simplesmente não
se tornará um sucesso. A estrutura econômica do Brasil, assimétrica na
distribuição da riqueza e na manutenção dos privilégios de poucos, não permite
que o pobre suba pelas malhas da inclusão social. Oligarcas nunca se mostram
dispostos a abrir mão de seus benefícios (basta ver a miséria do Maranhão, por
décadas feudo de uma família poderosa).
Uma geração inteira de judeus não
conheceu a terra prometida. A história se repete trágica: homens adoecerão
antes de conseguirem recuperar suas empresas; mulheres não vão mudar a
realidade machista que as asfixia; meninos não sairão do lugarejo pobre e
desprovido de oportunidade profissional. Rapazes, que sonhavam em jogar futebol
na Europa, terão que se contentar com o salário mínimo.
Ninguém deve desprezar a
realidade em nome de uma esperança fantasiosa. Nenhum grupo pode negligenciar a
luta por justiça social por aguardar intervenções milagrosas. Religião alguma
tem o direito de perpetuar a ilusão em nome do otimismo.
Sou pastor, pregador e
conferencista, mas não tenho o direito de descolar o meu discurso da realidade;
por ela ser crua, eu me obrigo a insistir: fé significa compromisso, coragem e
ânimo no desafio magnífico – e trágico –
de viver. Não há outro caminho. Todos precisamos assumir uma aliança com a
verdade – e nos engajar por justiça e paz a partir desse pacto. Me obrigo, não
à verdade metafísica e absoluta do dogma ou da filosofia, mas a tudo o que
promove solidariedade, bondade, compaixão e inclusão.
Sou intimado a abraçar a verdade
que as circunstâncias impõem. Tenho que enfrentar os sistemas que justificam a
anti-vida. Devo manter minha fé na promoção da liberdade. Se ensino a fuga, o
fim de meu discurso desembocará em decepção. – Jesus disse: "Vocês conhecerão
a verdade e a verdade os libertará". Para que o mundo seja minimamente
transformado, não me resta outro recurso senão me embrenhar na vida do jeito
que ela é. E arregaçar as mangas para que um outro futuro se torne possível.
Soli Deo Gloria
Ricardo Gondim é escritor e
teólogo, presidente da Convenção Betesda Brasil. E-mail: E-mail: ricardogondin2@gmail.com
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