quarta-feira, 22 de julho de 2015

OPINIÃO - Elogio à melancolia

Ricardo Gondim

Nos processos de conviver comigo mesmo, aceitar que gosto de dias menos ensolarados me fez sofrer. Como explicar a mim mesmo que prefiro as alamedas bucólicas às praias ensolaradas, o  nevoeiro dos vales aos palcos iluminados?

Sinto-me bem no crepúsculo. Acho o fim de tarde um momento divino na existência. Vinho, queijo, pão e poucos amigos ao redor de uma mesa antes que a noite se consolide, equivale ao dia em que Abraão acolheu anjos em sua tenda no meio do deserto.

À medida que o tempo passa sou mais amigo do silêncio. Sob sete chaves, recolho-me no turbilhão dos meus pensamentos, engasgo com reminiscências. Degusto a saudade nos instantâneos que passam por minha mente feito fotos digitais que percorrem uma tela. Amargo deslizes, celebro triunfos; penso como seria a minha história se tivesse trilhado outros caminhos. Reconstruo a face de velhos amigos. Sofro por não lembrar o nome deles.

Minha espiritualidade se intensifica com a areia da ampulheta. Cresce a sede de Deus. Ganho nova fé na proporção em que me desfaço das frases que davam um sentido infantil à minha religião. Abandono os contornos sistemáticos de uma teologia racionalista. Dou adeus ao Deus títere. Salto no vazio do mistério. Sei que só o nada comporta o tamanho do Divino; e que só a noite escura do não-sei abarca o Infinito. Não digo que o achei. Me coloco apenas na estrada sem fim do desejo de encontrá-lo.

Não pretendo me apoderar da felicidade. Na tensão dos momentos alegres e na angústia de saber que permanecerei indefinido, depuro os minutos que me restam. Minha espera de um breve momento de paz contém toda a paz do mundo. Na lembrança de uma frase, de um olhar, de um gesto do encontro que o tempo levou, recrio um universo de novas expectativas.

Falo pouco. Espanto quem me conhece. Você é calado?, indagam. Tímido? Talvez. Converso muito com os outros Ricardos que me povoam. Se muitas vezes mantenho os olhos fixos em um horizonte inexistente é devido às longas discussões que travamos entre nós. Preferimos assim, no segredo da alma tratar de nossas feridas ainda abertas, de nossos desejos inomináveis, de nossas sedes – que só o eterno poderia saciar.

Depois de tudo, sei que não estou doente de melancolia. Minha introspecção não merece ser revertida; eu deixaria de ser eu mesmo. Desfigurado pelos papeis que tentam colar em mim, eu seria uma personagem leve e leviana, brincalhona e superficial, feliz e falsa. Minha tristeza não é triste; com ela, escrevo, medito e, vez por outra, saio da caverna para tecer uns comentários precários sobre Deus. E isso me deixa contente.

Soli Deo Gloria
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Ricardo Gondim é escritor e teólogo,  presidente  da Convenção Betesda Brasil.  E-mail: E-mail: ricardogondin2@gmail.com

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